Introdução
Desde a independência em 1822, o Brasil estruturou seu sistema tributário com base no comércio exterior. No Império, mais de 70% da receita nacional vinha de tarifas alfandegárias sobre importações e exportações, herança direta da administração colonial portuguesa. Essa escolha reduzia conflitos com a elite agrária, que dominava o Parlamento, mas deixava o país vulnerável a crises internacionais.
O Império e a centralidade alfandegária
O Tratado de 1825, que garantiu o reconhecimento português, exemplifica essa dependência: o Brasil contraiu empréstimos ingleses para pagar indenização a Lisboa e manteve tarifas reduzidas para produtos britânicos. Figuras como o Visconde de Itaboraí e D. Pedro II tentaram diversificar a receita com impostos sobre selos, heranças e loterias, além de padronizar tarifas internas.
Mesmo assim, as alfândegas continuaram como principal fonte de recursos. As guerras da Cisplatina (1825–1828) e do Paraguai (1864–1870) levaram à criação de sobretaxas emergenciais e ao aumento de tarifas sobre bens de luxo, reforçando o papel fiscal estratégico dos portos. A Guerra do Paraguai, em especial, resultou em emissão de papel-moeda sem lastro e inflação persistente, mostrando como crises bélicas afetavam diretamente a política alfandegária.
Comparação com a alfândega atual
Hoje, a alfândega brasileira, sob gestão da Receita Federal, mantém relevância na arrecadação, mas sua função vai além: combate à fraude e ao contrabando, controle sanitário e ambiental, aplicação de acordos comerciais e uso de tecnologia para gestão de risco. Sistemas informatizados, scanners e integração com aduanas estrangeiras substituíram o controle manual e vulnerável à corrupção do século XIX.
Entretanto, persiste uma característica estrutural: a dependência do comércio exterior como fonte de receita. Embora o sistema seja mais diversificado — com forte peso de tributos internos como ICMS, IPI e Imposto de Renda —, crises cambiais e logísticas globais ainda afetam a arrecadação e o fluxo de comércio.
Conclusão
A alfândega, do Império ao século XXI, manteve-se como um dos pilares fiscais do Brasil. No passado, sustentava praticamente todo o Estado; hoje, integra um sistema tributário mais complexo, mas continua sendo ponto estratégico de soberania econômica e segurança fiscal. A história mostra que, embora as ferramentas mudem, a lógica de financiar o país a partir das fronteiras permanece.
Referências
- CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
- COSTA, Wilma Peres. O fardo do homem branco: o Império e a Guerra do Paraguai. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.
- DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005.
- FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012.
- PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2011.
- SCHULZ, John. A crise financeira da independência. São Paulo: Edusp, 1996.
- Receita Federal do Brasil. Atuação da Aduana Brasileira. Brasília, 2023.
- WCO – World Customs Organization. Annual Report. Bruxelas, 2023.